É difícil, portanto, especialmente no início, sentir essa alegria, porque o efeito da meditação é tão subtil; mesmo que já lá esteja, não é visível.
É fácil observar os pensamentos vulgares e mais óbvios. Digamos que estão a meditar e ouvem uma criança aos berros e isso irrita-vos e vocês observam essa irritação. Isso é bom. É assim que deve ser. Mas, por outro lado, há tantos outros pensamentos. Vêm e vão e regressam várias vezes e vocês nem se apercebem. Pensamentos muito, muito subtis. E então, quando se apercebem, em vinte minutos lá se foram quinze, a divagar, completamente distraídos só com pensamentos muito subtis, nada parecidos com o notar a irritação quando uma criança grita. E então o que acontece? Vocês arrependem-se. Bem, quando se arrependem, estão outra vez a namorar. O arrependimento é outro namoro. “Oh, eu não devia. Eu devia estar a meditar.” E também deviam estar a observar esse arrependimento. Na verdade, este namoro é muito menos prejudicial, porque não há muita intimidade. Há outro muito pior, que é quando sentem que não estão nada distraídos. “Ena! Estou completamente consciente de tudo. Não estou distraído.” Aí é que estão mesmo a namorar! Intimidade muito intensa! É tão difícil largá-la. Vocês querem mesmo permanecer nela. De qualquer forma, como eu dizia, a consistência é muito importante. Curto, directo, mas frequente. Segundo Longchenpa, “Curto, muitas vezes.” Longo, mas só uma vez, não tem grande efeito. E diria de forma consistente todo o dia, não nos limitando apenas a meditar de manhã ou à noite. Façam-no a qualquer hora, onde quer que se possam sentar. Na verdade, depois de algum tempo, até podem meditar de pé ou a dançar. Mas acho que para os principiantes é melhor, pelo menos, construir os alicerces e, para isso, acho que sentar-se é importante.
Se estiverem a meditar e se se aperceberem dos pensamentos vulgares, a consciência plena está lá. Mas, por vezes, as emoções fortes podem ser difíceis. Se descobrem que o vosso namorado vos anda a enganar e tentam praticar Vipassana, vai ser muito duro, porque temos este hábito de ajustar contas, de nos vingarmos. Somos tão orgulhosos. Ou se tiverem um problema conjugal e ambos souberem que a separação é a única solução, mas ficam os dois à espera de quem vai ser o primeiro a dizer “Vamos separar-nos.” No princípio é difícil a concentração, porque a vossa mente regressa sempre ao problema. Mas depois, digamos, quando são meditadores mais experientes e o ciúme, a possessividade, o orgulho ou a insegurança surgem durante a meditação, vocês apenas observam. Isso é bom. Mas assim que soa o despertador, voltam novamente a “Vamos lá ver. Onde é que nós estávamos?” E zás, lá estamos nós outra vez!
Mas se conseguirem apenas observar, sem atracção nem namoro, aos poucos tornam-se ainda mais experientes e o muro entre a meditação e a pós-meditação desmorona-se gradualmente. Percebem, neste momento há um grande muro entre a meditação e a pós-meditação. Não faz mal. Acho mesmo que quase precisam dele, caso contrário os principiantes não podem começar. Algum tempo depois, este muro começa a desmoronar-se. E então, mesmo durante a pós-meditação, quando ardem de ciúmes, sentem esse arrependimento ou culpa, esse desapontamento ou frustração. “Por que não estou eu concentrado?” Por um lado, sabem que não devem envolver-se ou namorar com esse assunto, mas continuam a fazê-lo, mesmo à frente do vosso nariz. Bem, quando isso acontece, é altura de receberem uma medalha. Estão a trabalhar bem. Se conseguirem contar, digamos, dez vezes por dia em que se sintam frustrados, desapontados ou culpados, isso é bom. Finalmente tornaram-se um pouco meditadores. Quando se sentem frustrados porque estão distraídos, o que significa isso? Pensem! Quando sabem que estão distraídos, automaticamente isso quer dizer que sabem o que é não estar distraído. Estão perto da sabedoria. Portanto, possam vocês sentir-se sempre frustrados!
Vipassana significa, basicamente, compreensão extraordinária ou visão penetrante, daí visão profunda. Basicamente, é meditar na sabedoria. Sabem, sabedoria e natureza de Buda são, no fundo, uma só coisa com nomes diferentes. São a mesma coisa. Agora já sabem, quando falamos da natureza de Buda ou de sabedoria, digamos, sabedoria tipo Vipassana, não estamos a falar de nada sobrenatural, sobre-humano, divino ou algo que tenham de cultivar. De que estamos então a falar? A sabedoria já lá está, certo? Como uma mola. Mas por que não a experienciamos? Porque andamos sempre excitados com o namoro. Portanto, como experienciamos a sabedoria? Não fazendo nada, sem excitações, deixando que tudo aconteça. E então, quando não estiverem a namorar ou ocupados com um pensamento, a sabedoria do não-julgamento está lá. O que é a sabedoria? Não-dualismo, certo? E o que significa isso? De uma forma muito grosseira, não-dualidade é basicamente não-julgamento. E aí, tudo o que fazem é apenas observar, sem se envolverem, sem se excitarem, apenas observando, ignorando. Vêem os pensamentos, mas ignoram-nos. Não há julgamento envolvido. Pode ser só por um breve momento, mas durante esse momento em que apenas observam e não fazem nada, já estão a experienciar a não-dualidade. Já estão a experienciar a sabedoria. É só isso que temos de cultivar. É tudo o que têm de fazer. Que maravilhosa via! Não há nada a perder e tudo a ganhar. Ganhar o quê? Somos todos maníacos do controlo, certo? Todos queremos comandar. Todos queremos ser o que controla. Como é que vocês controlam? Com isto. Se estão excitados, não estão a controlar, certo? Aqui, gradualmente tornam-se o controlador. Perfeito para gente como nós, maníacos do controlo. Estarão todos no lugar do condutor. Esqueçam a Iluminação. Sejam apenas um bom controlador. Isto funciona!
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