Este texto é a transcrição de um ensinamento de
Dzongsar Khyentse Rinpoche,
em 24 de Maio de 2006, em Byron Bay, Austrália.
Transcrito e editado por Lynne Macready.
Traduzido por Moksha.
Vamos começar já com a meditação. Os mais informados sobre meditação sabem o que fazer. Para os principiantes, sentar-se com a coluna direita é bom. Colocar algo sob o traseiro, para que fique mais alto do que as pernas, é uma boa ideia.
É permitido respirar. Só podem pestanejar em caso de necessidade. Podem engolir saliva quando for necessário. Para além disto, durante este tempo, aconteça o que acontecer, não se mexam até eu mandar parar. Não se cocem, mesmo que sintam comichão! Em vez disso, observem essa sensação. Se não acontecer nada de invulgar, observem apenas quaisquer pensamentos que surjam. Não precisam de pensar sobre o passado nem de fazer planos para o futuro. Se não houver pensamentos, também está bem. Se vos doer o tornozelo ou vos apetecer tossir, fiquem quietos. Não podem pigarrear. Se se esqueceram de desligar o telemóvel e ele tocar, não o desliguem. Observem apenas essa culpa. Basicamente, não façam nada. Tudo o que têm de fazer é estar atentos. Vamos então começar.
Como devem saber, já várias publicações internacionais referiram que a meditação faz bem à saúde. Cientistas já se deram conta de que a meditação é boa para o stresse, boa para o relaxamento e por aí fora. Se forem Budistas, e se forem dos genuínos, não estamos aqui por razões de saúde. Não estamos aqui para relaxar. Que interessa que estejam tensos ou não, porque, quando as pessoas falam em relaxar, isso quer dizer que relaxam durante um pouco e depois voltam à excitação habitual, não é verdade? É por isso que procuram o relaxamento – para poderem continuar a fazer mal a si mesmas e aos outros, depois de uma pequena hibernação. Se forem seguidores genuínos de Buda Gautama, estar relaxado e sem tensão não é o vosso objectivo. Ou, pelo menos, a definição de relaxamento e tensão deve ser diferente. O que é tensão? Segundo o Buda, tudo o que é dualista é tensão. Contemplar o nascer ou o pôr-do-sol pode ser tensão. É mais provável ser tensão do que relaxamento, segundo o Buda. O que é relaxamento? Libertarmo-nos deste espírito dualista é relaxamento. Nesse sentido, sim, o que procuramos é o relaxamento extremo. O que procuramos mesmo é livrar-nos da fonte de toda a tensão, que é o dualismo.
Sabem, a meditação é uma técnica. Podem perguntar-se “como é que isto nos ajuda a descobrir a natureza de Buda?” Ajuda muito e bem. De facto, diria que a meditação, tal como acabámos de a fazer, é talvez o método mais seguro, económico, prático e fácil. Em geral, sempre que um pensamento surge, namoramos com ele. Pode haver vários tipos de namoro – um namoro muito sadio, tal como desfrutar o pôr-do-sol, fazer amor, ser filantrópico ou dar abraços! Ou pode ser um tipo de namoro muito doentio e violentador, como quando surge a ira. Então a depressão, a culpa e a raiva apanham-nos, porque estamos furiosos. É a isso que chamo violentar. Estamos a violentar os pensamentos. Aconteça o que acontecer, é como se tivéssemos esquecido o preservativo e fôssemos como um coelho. Podemos atingir nove orgasmos de cada vez. Cada gota desses orgasmos gera montes de bebezinhos. É por isso que temos coelhinhos sem fim na nossa cabeça, a toda a hora. Logo, não podemos ver a natureza de Buda. Ao meditarmos como acabámos de fazer, apenas observamos o que acontece. Mesmo o observar já é um pouco de namoro, mas por agora serve. É a única forma de avançarmos. Qual é o resultado disto? Estamos realmente a começar a aprender a forma de ignorar os pensamentos. Já agora, sabem o que é ignorar? Por exemplo, se ignorarem alguém numa festa, o que significa isso? Significa que vocês sabem que ele está lá, mas não lhe prestam atenção, não é? Se não o virem, isso não é ignorá-lo, ou é? É simplesmente não o terem visto. Durante a meditação, vocês observam os pensamentos; sabem que eles estão lá, mas ignoram-nos. Não estimulam os pensamentos agradáveis nem desencorajam os pensamentos negativos. Apenas observam. Portanto, não estão a namorar. Não havendo namoro, não há procriação, não há proliferação de coelhos; logo, ficam menos ocupados, porque não têm de enxotar ou de amamentar estes bebezinhos. Ficam muito mais livres. É por isso que meditamos.
Penso que é óbvio que a meditação é uma coisa boa, mas praticá-la de forma consistente é difícil. Falta de disciplina, falta de entusiasmo e falta de ambiente tornam-na difícil. Principalmente falta de disciplina. Consistência é a chave. Se fizerem horas e horas de meditação e depois não a praticarem durante meses, voltam ao ponto de partida. Se conseguirem fazer, com consistência, cinco a dez minutos diários, o mais tardar ao fim de um ano sentirão alguma alegria e entusiasmo em praticar a meditação. Essa alegria é difícil de desenvolver porque, sabem, a meditação é muito aborrecida. Não tem nada de divertido. É duro não fazer coisa nenhuma. Isto é a arte de não fazer coisa nenhuma e é de facto difícil, especialmente porque nós, seres humanos modernos, gostamos de resultados rápidos. Na verdade, os resultados até aparecem rapidamente. Mas os resultados da meditação são muito subtis. Nós gostamos de resultados palpáveis, significativos, óbvios. Gostamos de Panadols ou de analgésicos. É assim a cultura moderna.
Dzongsar Khyentse Rinpoche,
em 24 de Maio de 2006, em Byron Bay, Austrália.
Transcrito e editado por Lynne Macready.
Traduzido por Moksha.
Vamos começar já com a meditação. Os mais informados sobre meditação sabem o que fazer. Para os principiantes, sentar-se com a coluna direita é bom. Colocar algo sob o traseiro, para que fique mais alto do que as pernas, é uma boa ideia.
É permitido respirar. Só podem pestanejar em caso de necessidade. Podem engolir saliva quando for necessário. Para além disto, durante este tempo, aconteça o que acontecer, não se mexam até eu mandar parar. Não se cocem, mesmo que sintam comichão! Em vez disso, observem essa sensação. Se não acontecer nada de invulgar, observem apenas quaisquer pensamentos que surjam. Não precisam de pensar sobre o passado nem de fazer planos para o futuro. Se não houver pensamentos, também está bem. Se vos doer o tornozelo ou vos apetecer tossir, fiquem quietos. Não podem pigarrear. Se se esqueceram de desligar o telemóvel e ele tocar, não o desliguem. Observem apenas essa culpa. Basicamente, não façam nada. Tudo o que têm de fazer é estar atentos. Vamos então começar.
Como devem saber, já várias publicações internacionais referiram que a meditação faz bem à saúde. Cientistas já se deram conta de que a meditação é boa para o stresse, boa para o relaxamento e por aí fora. Se forem Budistas, e se forem dos genuínos, não estamos aqui por razões de saúde. Não estamos aqui para relaxar. Que interessa que estejam tensos ou não, porque, quando as pessoas falam em relaxar, isso quer dizer que relaxam durante um pouco e depois voltam à excitação habitual, não é verdade? É por isso que procuram o relaxamento – para poderem continuar a fazer mal a si mesmas e aos outros, depois de uma pequena hibernação. Se forem seguidores genuínos de Buda Gautama, estar relaxado e sem tensão não é o vosso objectivo. Ou, pelo menos, a definição de relaxamento e tensão deve ser diferente. O que é tensão? Segundo o Buda, tudo o que é dualista é tensão. Contemplar o nascer ou o pôr-do-sol pode ser tensão. É mais provável ser tensão do que relaxamento, segundo o Buda. O que é relaxamento? Libertarmo-nos deste espírito dualista é relaxamento. Nesse sentido, sim, o que procuramos é o relaxamento extremo. O que procuramos mesmo é livrar-nos da fonte de toda a tensão, que é o dualismo.
Sabem, a meditação é uma técnica. Podem perguntar-se “como é que isto nos ajuda a descobrir a natureza de Buda?” Ajuda muito e bem. De facto, diria que a meditação, tal como acabámos de a fazer, é talvez o método mais seguro, económico, prático e fácil. Em geral, sempre que um pensamento surge, namoramos com ele. Pode haver vários tipos de namoro – um namoro muito sadio, tal como desfrutar o pôr-do-sol, fazer amor, ser filantrópico ou dar abraços! Ou pode ser um tipo de namoro muito doentio e violentador, como quando surge a ira. Então a depressão, a culpa e a raiva apanham-nos, porque estamos furiosos. É a isso que chamo violentar. Estamos a violentar os pensamentos. Aconteça o que acontecer, é como se tivéssemos esquecido o preservativo e fôssemos como um coelho. Podemos atingir nove orgasmos de cada vez. Cada gota desses orgasmos gera montes de bebezinhos. É por isso que temos coelhinhos sem fim na nossa cabeça, a toda a hora. Logo, não podemos ver a natureza de Buda. Ao meditarmos como acabámos de fazer, apenas observamos o que acontece. Mesmo o observar já é um pouco de namoro, mas por agora serve. É a única forma de avançarmos. Qual é o resultado disto? Estamos realmente a começar a aprender a forma de ignorar os pensamentos. Já agora, sabem o que é ignorar? Por exemplo, se ignorarem alguém numa festa, o que significa isso? Significa que vocês sabem que ele está lá, mas não lhe prestam atenção, não é? Se não o virem, isso não é ignorá-lo, ou é? É simplesmente não o terem visto. Durante a meditação, vocês observam os pensamentos; sabem que eles estão lá, mas ignoram-nos. Não estimulam os pensamentos agradáveis nem desencorajam os pensamentos negativos. Apenas observam. Portanto, não estão a namorar. Não havendo namoro, não há procriação, não há proliferação de coelhos; logo, ficam menos ocupados, porque não têm de enxotar ou de amamentar estes bebezinhos. Ficam muito mais livres. É por isso que meditamos.
Penso que é óbvio que a meditação é uma coisa boa, mas praticá-la de forma consistente é difícil. Falta de disciplina, falta de entusiasmo e falta de ambiente tornam-na difícil. Principalmente falta de disciplina. Consistência é a chave. Se fizerem horas e horas de meditação e depois não a praticarem durante meses, voltam ao ponto de partida. Se conseguirem fazer, com consistência, cinco a dez minutos diários, o mais tardar ao fim de um ano sentirão alguma alegria e entusiasmo em praticar a meditação. Essa alegria é difícil de desenvolver porque, sabem, a meditação é muito aborrecida. Não tem nada de divertido. É duro não fazer coisa nenhuma. Isto é a arte de não fazer coisa nenhuma e é de facto difícil, especialmente porque nós, seres humanos modernos, gostamos de resultados rápidos. Na verdade, os resultados até aparecem rapidamente. Mas os resultados da meditação são muito subtis. Nós gostamos de resultados palpáveis, significativos, óbvios. Gostamos de Panadols ou de analgésicos. É assim a cultura moderna.
(continua)
2 comentários em "Vipassana — Visão Profunda"
Obrigada por disponibilizarem estes ensinamentos, é maravilhoso!
aldora
De nada, aldora. Espero que tenha alguma utilidade para si e para quem o ler.
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